Não há relação determinante entre a proteção trabalhista e a geração de empregos
11 de outubro de 2018
Acompanhe a seguir entrevista com a Desembargadora do TRT1/RJ Carina Rodrigues Bicalho, uma das palestrantes do XXVIII Congresso de Magistrados Trabalhistas da Bahia (COMAT), que será realizado no dia 19/10, durante todo o dia, no Hotel São Salvador, no bairro do Stiep, em Salvador.

A Magistrada aborda diversos temas relevantes sobre as mudanças no Direito Material do Trabalho, bem como apresenta dados de relatórios e pareceres acadêmicos para comprovar suas teses.

1) 30 anos de Constituição Federal: avanços ou retrocessos no Direito Material do Trabalho?

A balança pesa para o lado dos avanços nos últimos 30 anos. Com a Constituição Federal de 88, a proteção ao trabalho humano ganha centralidade e onde primeiro se observa essa centralidade é na topografia constitucional, pois o trabalho é trazido no Titulo II, destinado aos direitos e garantias fundamentais e deslocado da seção destinada à ordem econômica, onde constava nas constituições anteriores. Ademais, no Estado Democrático de Direito forjado pela Constituição de 88, o Juiz do Trabalho torna-se guardião dos direitos fundamentais, dentre os quais, direito ao trabalho (art. 6º), direitos dos trabalhadores (art. 7º) e das relações coletivas de trabalho (art. 8º a 11) recebendo também o papel de transformar, pela resistência hermenêutica, a realidade sobre a qual atua: o mundo do trabalho, nos moldes propostos pela Constituição. O Juiz do Trabalho torna-se guardião dos direitos fundamentais do homem trabalhador, e não apenas do empregado, torna-se guardião do valor trabalho digno. Neste contexto, a jurisprudência avançou e influenciou alterações legislativas no sentido expansionista do conceito de subordinação, rejeitou o conceito de trabalhador parasubordinado, acolheu os teletrabalhadores com controle de jornada, reconheceu a possibilidade de controle de jornada de trabalhadores cuja jornada era considerada externa como motoristas, restringiu bancos de horas, ampliou garantias de pagamento dos créditos trabalhistas. 

Contudo, se deixarmos o retrovisor e olharmos para frente, amparados nas decisões do STF sobre temas afetos ao trabalho, em especial nos últimos 4 anos, teremos, como Juízes do Trabalho, um grande desafio a enfrentar para cumprir nossa missão. 

2) É possível se falar em efetividade na proteção aos direitos trabalhistas sem a plena garantia constitucional de acesso à Justiça?

Ao comparar o número de vínculos empregatícios no Brasil de 2013 a 2015 pelo CAGED como o número de reclamações trabalhistas ajuizadas no mesmo período, o Prof. Rodrigo Carelli indica que não chega a 10% o número de trabalhadores que ajuízam reclamações trabalhistas. (https://rodrigocarelli.org/2017/02/04/justica-do-trabalho-desvendando-mais-cinco-mitos/) Segundo o relatório Justiça em Números 2015, do Conselho Nacional de Justiça, 46,9% das ações em curso eram relativas a pagamento das verbas rescisórias. Esses números indicam que o trabalhador que ajuíza reclamação trabalhista, em sua maioria, foi lesado quanto ao pagamento de verbas rescisórias, ou seja, pouco se diz de conflito efetivo, mas de descumprimento de obrigação trabalhista básica. São esses os trabalhadores que estão sendo afastados da Justiça do Trabalho pelo receio de serem condenados ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, mesmo quando beneficiários da Justiça gratuita. Por isso, a restrição ao acesso a Justiça pela elevação do custo do processo prejudica sim o exercício da função do juiz do trabalho como guardião do valor trabalho digno.

Esse dado quanto ao percentual de trabalhadores que recorrem à Justiça do Trabalho me faz refletir sobre aos trabalhadores que não reclamam, grupo esse formado por (a) trabalhadores que não foram lesados em seus direitos, pois mantiveram vínculo com bons empregadores, aos quais interessa uma Justiça do Trabalho forte e um Direito do Trabalho que bem exerce a sua função de regulação de mercado, (b) trabalhadores que, apesar de lesados, não estão dispostos a enfrentar riscos do ajuizamento de ação tais como reduzir a possibilidade de se recolocar no mercado de trabalho pelo preconceito de já ter reclamado de seu ex-empregador (já que a simples pesquisa google/escavador revela o nome do trabalhador que ajuizou reclamação trabalhista), o custo para comparecer às audiências (agravado pela possibilidade de, já estando empregado, afastar-se para essa finalidade), o preço do contrato advocatício, a dificuldade de convencer testemunhas a estarem em juízo quantas vezes forem necessárias, o tempo contratual pequeno, etc. Esse contingente de trabalhadores que, mesmo lesados, não recorrem ao Poder Judiciário são atendidos pelos demais agentes sociais comprometidos com a efetividade do Direito do Trabalho, como Fiscalização do Trabalho, MPT e Sindicato, os quais, sendo esse último em especial, tiveram sua atuação atingida e reduzida pela lei 13.467/2017. 

3) Após mais de um ano de sancionada a Reforma Trabalhista, quais os principais resultados no que tange ao Direito do Trabalho e à geração de emprego?

Confirma-se, no Brasil, o que os estudos empíricos (Relatório de Giuseppe Bertola para a OIT – Organização Internacional do Trabalho de 2009; e da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico de 2006 e 2013) já diziam: não há relação determinante entre a proteção trabalhista e a geração de empregos. Os dados da PNAD Contínua, divulgados em julho de 2018, indicaram a redução de postos de trabalho com carteira assinada e aumento da informalidade.

4 ) Em sua opinião, após a Reforma aumentaram os casos de precarização do trabalho?

O IBGE precisa alterar a metodologia de pesquisa para alcançar os contratos atípicos absorvidos pelo Direito Brasileiro a partir da lei 13.467/2017. A agência Routers indica que, pelos dados do CAGED de março de 2018, 11,38% das contratações daquele mês foram por meio de contrato de trabalho a tempo parcial ou intermitente. A partir da análise dos dados do CAGED, a revista Carta Capital informa que 78,4% do saldo de empregos formais gerados desde novembro foi em contratos atípicos. (https://www.cartacapital.com.br/blogs/brasil-debate/reforma-trabalhista-78-de-vagas-criadas-sao-intermitentes-e-parciais) 

O trabalho precário é aquele que, comparado ao contrato padrão por prazo indeterminado diretamente firmado entre tomador e prestador de serviços, é mais instável (prazo determinado, intermitente, tempo parcial, terceirizado), induz a uma maior rotatividade e menor formação do trabalhador, possui jornadas mais extensas e intensas, maior número de acidentes e doenças ocupacionais até alcançarmos os trabalhadores informais ou com vínculo trabalhistas mascarados/simulados. 

A lei 13.467/2017 trouxe formas atípicas de contrato de trabalho para o Direito do Trabalho Brasileiro e ampliou hipóteses de contratação por tempo parcial e, assim, formalizou relações que, antes, poderiam ser informais ou integrais (contrato de trabalho por prazo indeterminado), o que, contudo, não afasta a caracterização como contratos precários na medida em que reduzem salário e intensificam a rotatividade dos trabalhadores. E, como é sabido, trabalhador e consumidor é a mesma pessoa. Se o trabalhador ganha menos, ainda que formalizado, menor a quantidade de dinheiro que circula na economia formal. 

5) O que a Sra. acha da recente decisão do STF sobre a terceirização da atividade-fim?

O STF fixou tese de repercussão geral no julgamento da ADPF nº 324 e julgamento do RExt nº 958.252, da Empresa Cenibra. É preciso recordar que o tema levado ao STF refere-se à constitucionalidade da terceirização na atividade fim em contraponto com a atividade meio, nos termos do item III da súmula 331 e nada, além disso, poderá restar enunciado na tese vencedora. E, ainda, que a publicidade da “terceirização ampla e irrestrita”, por mais sedutora que seja, deve ser balizada pela decisão proferida e restrita ao que foi efetivamente decidido. O que chamo a atenção é para o fato de que a intermediação de mão de obra segue sendo ilícita e proibida no Brasil, quer por força do art. 2º e 3º c/c art. 9º da CLT, quer pelo princípio instituidor da OIT de que “trabalho não é mercadoria”, além da Recomendação 198 da OIT que pugna lutar contra as relações de trabalho encobertas, assim consideradas quando um empregador considera um empregado como se não o fosse, de uma maneira que oculte sua verdadeira condição jurídica. Nesse contexto, a instrução probatória e um conceito expansionista de subordinação jurídica são essenciais para a proteção do direito ao trabalho digno.
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